quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Breve História da Civilização, de Will Durant


Quando Péricles, Aspásia, Anaxágoras e Sócrates assistiram juntos a uma peça de Eurípedes no Teatro de Dioniso, Atenas pôde testemunhar ao vivo o zénite e a unidade da vida grega – governação, arte, ciência, filosofia, literatura, religião, moral vivendo, não carreiras separadas como nas páginas dos livros, mas entrelaçadas no tecido multicolor da história de uma nação.

Ave!
Há livros que nos surgem na altura certa da vida. Breve História da Civilização foi um destes casos. Ter nas mãos um livro que consegue percorrer séculos de cultura, política, filosofia, religião, arte, e abordar todos estes temas com a capacidade de transmitir deslumbramento ao leitor, é um feito digno de se lhe tirar o chapéu.
O livro está longe de ser perfeito. Tal como é referido no preâmbulo, surge da compilação de uma série de notas reunidas pelo autor, Will Durant, descobertas alguns 20 anos após a sua morte. Nota-se que é um trabalho que carece de uma edição mais coesa. Desde logo, exceptuando alguns breves capítulos sobre Confúcio, parece que toda a História da Civilização se resume à Europa e ao Mediterrâneo.
Não obstante, é uma viagem maravilhosa por mais de 4000 anos de cultura e antropologia. Durant relembra-nos a emergência das grandes civilizações que delinearam o que é hoje o "mundo ocidental", com particular destaque, como não podia deixar de ser, para a Grécia. Aliás, a Grécia clássica constitui provavelmente o melhor de todo o livro. É notória a paixão, e o respeito, que o autor tem por todas as figuras dessa época. Os filósofos, os estadistas, os estrategas, os poetas. E ao longo de todos os capítulos que compõem o livro, Durant volta repetidas vezes à ideia fabulosa de Platão, cujo sonho era ver uma nação governada por filósofos. Durant evoca os grandes dramaturgos gregos, quase aludindo implicitamente à ideia de que tudo o que é relevante na escrita dos Homens pode ser encontrado entre o legado da Grécia clássica. Todas as ideias, todos os conceitos, todos os pensamentos, podem ser encontrados algures em Ésquilo, Sófocles, Platão, Aristóteles, ou Sólon. De certa forma, pese embora o exagero, tudo o que de nobre a alma Humana pode conceber, pode ser encontrado na Grécia clássica. Pessoalmente, tendo a concordar com Durant.
E esta é uma das questões que tornam a leitura do livro tão apaixonante. Will Durant não se limita a relatar factos da História para falar da Civilização. Vai buscar as grandes referências literárias e artísticas, enquadrando-as de forma a não restarem dúvidas quanto ao papel da expressão cultural enquanto motor da construção da Civilização. É brilhante.
Igualmente interessante é o pormenor do autor partilhar as suas opiniões ao longo dos textos. Não se limita a relatar, preocupa-se em dar a sua leitura dos acontecimentos, e em fazer extrapolações com outras referências.
O protagonismo dado à Grécia é dividido com Roma, esse colosso fundador daquilo que ainda hoje a Europa é, sem descuidar o papel da religião nas grandes rupturas que moldaram a Europa e o seu desenvolvimento. Percorremos inúmeras figuras históricas, das quais tínhamos uma vaga noção, mas não sabíamos exactamente o porquê de serem importantes para a História. E não falta o Renascimento, e a sua "culpa" pelo surgimento da Europa moderna. Só lamentamos quando o livro acaba em Shakespeare, mas infelizmente o autor não teve tempo para tratar as figuras que se lhe seguiram.
Lao-Tsé, Ozymandias, Lourenço de Médicis, Carlos V, Sólon, Augusto, Péricles, Da Vinci, Alexandre, Espártaco, Cipião, César, Agripa, Maquiavel, César Bórgia, Aristóteles, Péricles. A História está cheia de gente fascinante, e o nosso tempo nesta vida é demasiado escasso para conhecer todos os seus feitos.
Breve História da Civilização é daqueles livros cuja leitura recomendo sem reservas. Qualquer pessoa, independentemente das suas preferências literárias, fica embevecida com esta viagem. E pensar que só o comprei porque um dia, ao passar num supermercado (nem sequer foi numa livraria!), olhei para o lado e dei por mim a cogitar: “Hmmm, interessante, livros com 40% de desconto…”

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Hino a Áton

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

The Very Best of Ennio Morricone

Ave!
Uá-Uá-Uáááá! Esta é, quase garantidamente, a forma mais estranha de começar um artigo num blogue. E no entanto, se eu vos disser para associarem a esta onomatopeia, em pano de fundo, um filme western... de repente tudo faz sentido.
Comprei recentemente o The Very Best Of Ennio Morricone, um dos grandes vultos para os apreciadores da "música do cinema". Brilhante compositor italiano, o maestro é um dos poucos artistas cujas bandas sonoras são imediatamente identificáveis por qualquer pessoa, ficando somente atrás do inigualável John Williams.
O "Uá-Uá-Uáááá" por onde começámos, na realidade responde como tema principal do filme "O Bom, o Mau, e o Vilão" (Sergio Leone, 1966), e tem lugar garantido entre os 10 temas mais icónicos do cinema. É extraordinário apurar os sentidos para perceber como o maestro soube, de forma engenhosa, moldar música e som para produzir algo tão único. Esta arte é igualmente reconhecível em alguns dos seus outros temas, como o caso de "Por Um Punhado de Dólares", onde se podem escutar inclusive estampidos de chicote.

Mas a obra de Morricone é imensa, e está longe de se cingir aos westerns. Um dos seus trabalhos mais nobres será a banda sonora de "A Missão", de onde o delicioso oboé de Gabriel continua a inspirar gerações, e cujo tema central conferiu ainda maior expressividade à assombrosa paisagem que acolhe a história.


O álbum, tal como a carreira do maestro, não se esgota no cinema. No entanto, é inegável que foi o seu percurso na 7ª Arte que projectou Morricone para o reconhecimento mundial. Foi em 2016 que ganhou o seu primeiro Oscar (exceptuando um Oscar honorário), resultante da colaboração com Quentin Tarantino em "Os Oito Odiados", mas foi em 1968, para "Aconteceu no Oeste", que compôs, porventura, a sua obra-prima. O tema principal do filme é de uma beleza somente equiparável à de Claudia Cardinale.


Por uma obra extensa, variada, e maravilhosa, resta-nos olhar com ternura para Ennio Morricone, e sussurrar-lhe: grazie, maestro.

Post scriptum
Este artigo é dedicado à Xana e à Xina, por saberem estalar o chicote que me obriga a escrever. E logo hoje, que Ennio Morricone completa 88 anos. :)


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